Destino COP30: Qual o custo da inação diante das urgências climáticas?

ANNELISE VENDRAMINI entrevista Destino COP30

Os desafios geopolíticos e econômicos atuais influenciam decisões governamentais e empresariais relacionadas às medidas de mitigação e adaptação climáticas.

O reflexo desse cenário é analisado pela doutora em finanças sustentáveis e professora da FGV, Annelise Vendramini, que destaca as consequências da inação, a dificuldade do setor privado em medir riscos e o papel da COP30 para construção de acordos. Confira o bate-papo exclusivo da especialista para newsletter Destino COP30!


  1. Observamos um movimento de flexibilização da agenda climática por parte de países, empresas e até instituições financeiras. Como você enxerga esse tensionamento entre ambição climática e viabilidade econômica no atual estágio das negociações internacionais?

Esse tensionamento não é novo, mas ele se intensifica em momentos de maior pressão econômica e geopolítica, como o que vivemos agora. Há estudos econômicos de instituições como o FMI, o Banco Mundial e a OCDE que apontam que os custos da inação climática podem ser significativamente maiores do que os custos da transição.

Além disso, há uma crescente percepção, especialmente entre parte de investidores e formuladores de políticas públicas, de que adiar a transição não só aumenta o risco físico, como também os riscos econômicos, financeiros e sociais associados.

É fato que a transição tem custos e que eles recaem de maneira desigual entre países, setores e grupos sociais. Por isso, as discussões internacionais — e particularmente a COP30 — podem enfrentar esse tema de frente: como financiar a transição, como desenhar mecanismos de compensação e como garantir que a agenda climática esteja integrada às estratégias de desenvolvimento econômico, geração de empregos e aumento de produtividade.

Portanto, mais do que reduzir ambição, o que precisamos é sofisticar a discussão e os instrumentos econômicos e financeiros que viabilizam essa transição. Isso inclui, entre outros, mercado de carbono, financiamento climático, garantias, blended finance e políticas públicas que alinhem os sinais de preço à descarbonização, mas também a implementação de redes de proteção para os grupos mais vulneráveis.

 

  1. O Brasil, na presidência da COP30, tem estimulado a participação ativa dos Ministérios da Fazenda nas mesas de negociação. Em que medida a presença dessas autoridades fiscais pode contribuir para a construção de um novo compromisso financeiro mais significativo do que os US$ 300 bilhões discutidos na COP29, em Baku?

A participação dos Ministérios da Fazenda nas negociações climáticas é absolutamente essencial. Afinal, estamos falando de uma agenda que é, também, econômica.

Financiamento climático, precificação de carbono, subsídios, incentivos, gestão de risco fiscal associado às mudanças climáticas são temas que estão no centro das decisões de política econômica, não apenas ambiental. Aliás, o Banco Central  vem realizando testes de estresse climático sobre as carteiras de crédito Pessoa Jurídica (PJ) há bastante tempo, justamente porque a questão climática é um risco econômico, com impactos monetários e sobre a estabilidade do Sistema Financeiro.

A presença ativa dessas autoridades tem dois efeitos concretos. Primeiro, contribui para a discussão sobre os instrumentos financeiros necessários para ampliar o volume e a canalização dos recursos financeiros para a agenda climática, sejam eles públicos, privados ou híbridos. Segundo, traz para a mesa uma visão alinhada com as necessidades de desenvolvimento dos países, o que é essencial para destravar um acordo mais ambicioso.

Portanto, se queremos superar o patamar dos US$ 300 bilhões e caminhar para um compromisso mais robusto, como o US$ 1,3 trilhão defendido pelos países em desenvolvimento, é indispensável que as áreas econômicas participem da conversa. Elas têm mandato, capacidade técnica e instrumentos para redesenhar políticas fiscais, mobilizar financiamento doméstico e estruturar soluções que combinem desenvolvimento econômico e ação climática.

 

  1. Embora haja uma crescente retórica de ceticismo em relação ao financiamento climático e às exigências regulatórias de descarbonização, os riscos físicos e de transição já estão se materializando com impactos claros nos negócios. O setor privado está, de fato, preparado para reconhecer, mensurar e mitigar esses riscos? Onde estão os principais avanços — e os maiores gargalos?

Realmente, para muitas pessoas e empresas os riscos climáticos — físicos e de transição — já não são mais uma abstração. Eles estão se materializando, afetando cadeias produtivas, ativos, custos operacionais e, consequentemente, o valor das empresas. O setor privado, no entanto, ainda está em um estágio bastante heterogêneo de preparo.

Infelizmente, acredito que ainda existam gestores que não estão acompanhando a questão climática como um fator de risco relevante para os negócios.

Acredito que os principais avanços estejam na evolução das metodologias de mensuração, na crescente sofisticação de frameworks regulatórios, como as exigências do ISSB, da SEC, da União Europeia, da CVM e do Banco Central e no desenvolvimento de instrumentos financeiros (como os títulos rotulados) que começam a explicitar esses riscos. Além disso, há atores de setores mais expostos, como energia e agronegócio, que já internalizam as análises desses riscos em parte de suas decisões de negócio.

Mas os gargalos são relevantes.

Há uma enorme assimetria na qualidade dos dados, especialmente em países em desenvolvimento. Faltam modelos robustos para traduzir riscos físicos e de transição em métricas econômicas, financeiras e operacionais úteis para a tomada de decisão. E, ainda, persiste uma lacuna significativa entre disclosure e gestão efetiva de risco. Muitas empresas relatam, mas nem todas integram esses riscos na estratégia de negócios. Isso é fato.

 

  1. A COP30 acontece em um contexto especialmente desafiador — marcado tanto pela magnitude dos recursos exigidos, quanto pelas restrições do cenário econômico global. Na sua avaliação, como essa conjuntura afeta as chances de se alcançar um acordo mais ambicioso e financeiramente robusto na conferência de Belém?

Na COP29, em Baku, foram definidos dois avanços importantes para as finanças climáticas. Primeiro, a meta de triplicar os fluxos financeiros dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento — de US$ 100 bilhões para US$ 300 bilhões anuais até 2035. Segundo, o reconhecimento da necessidade de elevar o financiamento climático para US$ 1,3 trilhão anuais até 2035.

As negociações internacionais sobre financiamento climático são notoriamente complexas, marcadas por disputas sobre responsabilidades e mecanismos de repasse. Celebramos, portanto, o avanço representado pela nova meta, mas é necessário realismo: esperar que esses recursos venham majoritariamente de fontes multilaterais e de financiamento público internacional é pouco prudente, especialmente diante da urgência da crise climática.

Dados do Climate Policy Initiative reforçam que, no caso dos países em desenvolvimento, a maior parte do financiamento climático já é de origem doméstica. O recado é claro: é fundamental combinar a busca por recursos internacionais com uma estratégia robusta para destravar financiamento doméstico — público e privado.

Dito isso, o foco da COP30, conforme já sinalizado pela presidência brasileira, será transformar “visão em ação”. No campo das finanças, isso significa avançar em frentes muito objetivas: desenvolvimento de bases de dados para gestão de risco climático, estruturação de garantias, mobilização de recursos filantrópicos como capital de primeira perda em projetos com tecnologias emergentes, entre outras soluções que reduzam risco e atraiam capital privado. São medidas que beneficiam tanto investidores internacionais quanto os domésticos — e que são absolutamente centrais para a viabilização de uma economia alinhada ao clima.

 

  1. Qual deve ser, na sua visão, o papel estratégico dos bancos multilaterais de desenvolvimento na mobilização de recursos e na ampliação do financiamento climático, especialmente no contexto dos países em desenvolvimento? O que precisa mudar na estrutura dessas instituições?

Os bancos multilaterais de desenvolvimento têm um papel importante no financiamento climático, especialmente para países em desenvolvimento. Eles dispõem de capital de longo prazo, com perfil paciente, e são capazes de estruturar mecanismos de redução de risco, como garantias, instrumentos blended e financiamento subordinado, que são fundamentais para destravar investimentos privados em escala.

Em um contexto de restrições fiscais e de aumento do custo do capital, como é o caso do Brasil, por exemplo, esse papel é ainda mais relevante. Eles podem atuar como catalisadores, alavancando múltiplas vezes seus próprios recursos e viabilizando projetos que, de outra forma, seriam considerados de risco elevado pelo mercado.


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